Reportagem: Flavia Martin
Participação: Taline Costa
Avaliação individualizada é essencial para os praticantes de exercícios de alta intensidade; saiba que nem todos precisam fazer exames.
Para quem quer ser um atleta (ainda que amador) de alta intensidade ou de alto impacto não basta ter #ForçaFocoeFé. Profissionais de saúde reforçam que é essencial ter um planejamento minucioso dos treinos e um acompanhamento individualizado para prevenir lesões e incidentes.
O alerta vem na esteira de uma tragédia recente: a morte súbita de João Paulo Diniz, aos 58 anos, em 31 de julho, após uma competição esportiva em Paraty, no Rio de Janeiro. O empresário era triatleta amador e um grande incentivador dos esportes de endurance, como o próprio triathlon.
Diniz possuía uma doença cardíaca congênita: a miocardiopatia hipertrófica. Nesse caso, o músculo do coração (miocárdio) é aumentado, o que pode obstruir o fluxo sanguíneo. Segundo a literatura médica, a doença, que é genética, atinge 1 a cada 500 pessoas.
“Por isso insistimos em uma avaliação individualizada”, explica Taline Costa, médica do esporte da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Comunidade de Saúde da Alice.
Veja abaixo algumas perguntas e respostas sobre os cuidados antes de iniciar os exercícios.
Todo mundo que pratica esportes precisa fazer uma avaliação?
É importante reforçar que nem todo mundo terá a recomendação de fazer exames antes de se exercitar, como teste esforço físico, diz Taline Costa. Eles só serão indicados para o indivíduo que tenha alguma condição física prévia, histórico familiar para doenças ou tenha apresentado sintomas após esforços físicos.
“Se você começa a pedir exames sem entender o objetivo, acaba achando muitos falsos positivos, ou seja, parece que a pessoa tem alguma doença. E aí você vai pedir mais exames e vai deixar o paciente neurótico, quando na verdade não tem nada”, alerta.
Segundo Costa, o ideal é que todas as pessoas que vão iniciar um esporte ou treino, mesmo que leves e moderados, passem por uma avaliação de saúde (que é diferente de fazer um monte de exames), com questionário sobre hábitos e histórico pessoal e familiar da pessoa.
“Mas sabemos que o sedentarismo também mata, então não podemos colocar barreiras para a execução do exercício. Quando a pessoa não tem nenhum tipo de sintoma nem histórico familiar importante e não sabe de nenhuma condição cardíaca prévia, ela pode fazer um exercício leve e não precisa esperar passar no médico”, pondera.
O cuidado maior é para pessoas com histórico para doenças cardíacas precoces, casos de morte súbita na família e com fatores de risco para doenças cardiovasculares, como obesidade, hipertensão, diabetes, tabagismo e colesterol alterado, que aí deveriam passar por uma avaliação médica mais minuciosa.
“Avaliamos a aptidão esportiva da pessoa [em pessoas com doenças cardíacas diagnosticadas] para determinar qual o nível mais seguro para ela. Por exemplo, podemos verificar que, a partir de 60% da frequência cardíaca máxima, o indivíduo com uma condição cardíaca começa a fazer isquemia, ou seja, falta oxigênio no coração. Então, para ele, as atividades precisam ocorrer abaixo dos 60%”, explica Costa.
Tal acompanhamento médico prévio também deverá ser feito quando o intuito é praticar esportes ou exercícios mais vigorosos que, por definição, são aqueles executados em uma faixa acima de 80% a 85% da frequência cardíaca máxima da pessoa (veja abaixo como monitorar seus batimentos).
Ou, em uma escala de 0 a 10 de percepção individual de esforço (a escala Borg), que deixe a pessoa entre 8,5-9,5.
“Intensidade alta não é apenas quando a pessoa transpira, mas, sim, quando chega a uma frequência cardíaca quase intolerante. Quando, por exemplo, ela não consegue manter uma conversa de jeito nenhum”, define Renato Pelaquim, preparador físico e diretor executivo do departamento de Educação Física da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.
Exemplos de exercícios vigorosos são os de endurance, como o triathlon e a maratona, e os intervalados, a exemplo do HIIT (high intensity intermittent training) ou o futebol.
“A diferença entre as modalidades é o tipo de demanda energética de cada uma: o HIIT é em forma de sprint [picos de esforço], e o endurance compreende atividades mais longas. Ambas são atividades vigorosas”, explica Taline Costa.
Sendo assim, a indicação para atletas dessas modalidades é fazer uma consulta médica prévia e uma avaliação anual.
“Se você está se preparando para uma competição ou faz um treino de alta intensidade que exige muito do seu corpo, ele tem que estar redondinho”, diz Pelaquim.
Do ponto de vista músculo-esquelético, também é necessário ficar atento à sobrecarga articular, que pode ser bem elevada nessas atividades mais intensas.
“Então, se houver sinais de desgaste e dor nas articulações, é melhor evitar essas atividades e focar o fortalecimento muscular primeiro”, complementa Mayara Santos, preparadora física da Alice e especialista em prevenção e reabilitação cardíaca.
Quais cuidados tomar antes de começar a se exercitar?
Segundo Costa, é essencial ser supervisionado por preparadores físicos e sempre iniciar com um exercício leve e ir treinando de forma progressiva, para o corpo se adaptar à carga de treino.
“Não adianta começar com treino moderado ou intenso, porque isso aumenta o risco de lesão”, diz Costa. “Também indico prestar atenção ao corpo e aos sintomas [durante e após o exercício]. Caso surja uma dor no peito, suspenda o treino e procure ajuda médica.”
Já para quem vai investir em treinos vigorosos e tem em vista alguma prova, como maratona ou iroman, a chave está no planejamento, explica Renato Pelaquim.
“Ao treinar com alta intensidade, é preciso saber dosar o exercício de forma certa. Por isso tem que ter planejamento, alternando períodos mais leves com outros de maior intensidade, outros de trabalho técnico e também de recuperação. Você não pensa só em uma sessão, mas em um conjunto todo. O maior erro do atleta amador é investir pouco no planejamento. Ele quer sempre alcançar a superação, mas, em muitos casos, não há um acompanhamento de uma equipe multiprofissional”, explica ele.
Quais sintomas pós-treino devem ligar o alerta?
O cansaço é muito relativo e depende do nível de condicionamento físico da pessoa, explica Mayara Santos.
“É interessante ter o autoconhecimento de quais atividades você faz habitualmente que te geram uma percepção de esforço leve, moderada ou intensa. Mudanças abruptas são um sinal de alerta. Por exemplo, se antes você subia um lance de escada numa boa e de repente isso passou a gerar um desconforto grande, com sensação de falta de ar ou outro sintoma associado, pode ligar o alerta e procurar ajuda médica para esclarecer”, diz a preparadora física.
Tonturas, falta de ar desproporcional à carga do exercício, dores no coração e desmaio também devem ser alertas para a pessoa suspender o treino e procurar ajuda médica.
“Se a pessoa já sentiu alguma coisa na prática esportiva, é bom investigar. Não deixe passar achando que é algo simples, porque pode não ser. A gente tem que se cuidar, não é só por que é jovem que pode não ter”, alerta Pelaquim, que reforça que treinar gripado ou com febre é muito contraindicado.
Como monitorar a frequência cardíaca?
O teste considerado padrão-ouro para determinar a frequência cardíaca máxima da pessoa é o ergométrico. Porém, caso você não tenha histórico para as doenças citadas acima, não tenha tido sintomas após o treino e nem use medicamentos que alterem seus batimentos cardíacos, existe uma fórmula mais simples de calculá-la: é só subtrair a sua idade de 220.
Assim, no caso de uma pessoa de 30 anos, a frequência cardíaca (FC) máxima dela seria de 220-30 = 190 bpm (batimentos por minuto).
Em geral, as faixas da FC devem variar assim, de acordo com os tipos de treino:
Leve – FC abaixo de 60-70% da FC máxima
Moderado – FC entre 70-80% da FC máxima
Vigoroso – FC acima de 80% da FC máxima
“Assim, você consegue identificar o ritmo ideal numa caminhada, por exemplo, se quiser fazer uma atividade moderada. Da mesma forma que consegue checar se está realmente fazendo uma atividade de alta intensidade, verificando se a frequência cardíaca chega acima de 85% da máxima durante os picos de esforço”, explica Mayara Santos.
A médica Taline Costa ressalta que a FC pode se alterar diante de fatores como estresse, alimentação, hidratação, sono e até umidade do ar.
Smartwatches são confiáveis?
Os frequencímetros mais modernos ou smartwatches que marcam a FC são bastante precisos e podem ser usados para controlar os batimentos cardíacos durante o exercício, dizem os especialistas. Os modelos que têm uma fita ao redor do tronco são ainda mais confiáveis.
Renato Pelaquim indica, inclusive, programar um alarme no smartwatch para quando você atingir determinada faixa de FC durante o treino, o que vai ajudar a controlar melhor os esforços.
Ele destaca ainda que o Apple Watch e alguns modelos de smartwatch da Samsung possuem uma funcionalidade de leitura de eletrocardiograma, ou seja, analisam os padrões dos batimentos cardíacos e fazem alertas para incidentes fora da curva, como uma arritmia que pode desencadear uma parada cardíaca.
Recentemente, ambos os modelos receberam um selo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que valida a leitura desses dados.